Invocar "os novos fenómenos criminais" como justificação é querer passar um
atestado de menoridade à PJ, que bem os conhece e estuda
Luís Batista
Uma alta e mediática figura do Ministério Público (MP) defendeu numa
recente conferência, segundo noticiado pela comunicação social, mormente,
que: "...o princípio da eficácia da investigação criminal (IC) prevalece
sobre as regras da LOIC (Lei de Organização da Investigação Criminal) na
repartição de competências." Mais, que deveria ser efectuada uma "alteração
cirúrgica na LOIC", visando a atribuição, pela "autoridade judiciária
competente", da competência para a IC, ao OPC (órgão de polícia criminal)
"... que a tiver iniciado, por ter adquirido a notícia do crime e por
determinação da autoridade judiciária competente".
O art.° 7.° da LOIC (Lei 49/2008 de 07/08) elenca nos n.os 2 e 3, os crimes
cuja IC é da competência reservada da PJ - absoluta e não absoluta,
respectivamente, uma vez que a procuradora-geral da República, ou os
procuradores-gerais distritais, estes por delegação, podem, no último caso,
na fase de inquérito, verificados rígidos pressupostos, deferir a IC noutro
OPC. Sugere-se agora a atribuição de poderes ao MP para, na fase inicial,
presume-se, atribuir a IC de quaisquer dos crimes da competência reservada
da PJ a outro OPC, verificada a conjugação das duas mencionadas
circunstâncias.
Dizemos MP, apesar de se referir "autoridade judiciária competente",
porquanto o juiz, regra geral, na fase de inquérito, não intervém naquela
matéria.
Tal, a concretizar-se, seria introduzir na LOIC um turvar de águas que
viria complicar o que é claro. A PJ seria subalternizada pois, não sendo
uma polícia de proximidade, raramente obtém em primeira mão a notícia de
certos tipos de crimes, como sejam os de cenário - homicídios, roubos à mão
armada e muitos outros.
O princípio da eficácia, ligado inelutavelmente às finalidades do processo,
tem limites jurídicos e éticos que, a serem descurados, colocam em perigo
os direitos liberdades e garantias dos cidadãos. A IC executada por quem
não domina os conhecimentos e possui a preparação técnico-científica
adequados, cria insegurança objectiva nos resultados e relativiza o nível
de exigência processual. Seria ignorar a cultura organizacional, a
experiência, enfim, as competências dos OPC.
Invocar "os novos fenómenos criminais", como justificação, é querer passar
um atestado de menoridade à PJ que bem os conhece e estuda, conexionando-os
e adaptando-se para melhor os combater. Os magistrados do MP sempre
decidiriam a atribuição da IC em função da sua maior ou menor vivência
profissional, baseados em pouco mais do que no magro expediente recebido. E
sabemos que, inúmeras vezes, em IC o que à partida parece fácil vem a
revelar-se, depois, um quebra-cabeças.
Este discurso não faz sentido porquanto, a LOIC veio redistribuir as
competências da IC entre as três polícias com competência genérica,
considerando a tipologia e a natureza de cada uma delas: a PJ especializada
na criminalidade complexa e organizada, de carácter transnacional ou
dimensão internacional e a GNR e a PSP, na que exige eficácia de
proximidade. Foram criados, em simultâneo, um sistema e um conselho
coordenadores, visando disciplinar a IC, para uma maior eficácia.
As polícias organizaram-se em função dos crimes atribuídos, apuraram
necessidades humanas e materiais e ministraram formação adequada aos seus
profissionais. Assim, é incompreensível que se queira alterar a LOIC, numa
matéria tão sensível e não haja uma palavra sobre a reorganização/reforma
das forças e serviços de segurança. Parece fazer sentido a expressão
"dividir para reinar". Deixem trabalhar a PJ! Longa vida à PJ!
*Coordenador de investigação criminal, aposentado, da PJ *
*Jornal i 2014.04.23* |