Tribunais portugueses podem agora julgar swaps do banco britânico, em vez
de Inglaterra. Relação tem em mãos dois recursos que podem ser decisivos
para as empresas nos processos apresentados após perdas
Rosa Soares
O Tribunal da Relação de Lisboa declarou nula a cláusula dos contratos de
permuta de taxas de juro (swap) do banco Barclays, que impõe o recurso a
tribunais ingleses em caso de litígio. O acórdão, que reconhece
"competência internacional dos tribunais portugueses" nesta matéria, pode
incentivar mais empresas nacionais com swaps contratados com o banco inglês
a avançar para os tribunais nacionais.
A decisão da Relação só se aplica ao processo que foi objecto de recurso,
não fazendo jurisprudência directa, mas tem capacidade para influenciar
outras decisões dos tribunais de primeira instância, explicou ao PÚBLICO o
advogado Pedro Marinho Falcão, responsável pelo processo em causa.
O jurista adiantou ainda que a decisão, tomada por unanimidade pelo
colectivo de juízes da Relação, também incentiva outros recursos de
decisões de primeira instância que venham a considerar a acção improcedente
nos tribunais nacionais com base na referida cláusula.
Pedro Marinho Falcão tem em curso mais cerca de uma dezena de processos
contra o Barclays, no valor de 10 milhões de euros, a que vai juntar o
acórdão da Relação. O advogado tem ainda mais duas dezenas de processos de
empresas portugueses contra o banco Santander Totta e, em menor número,
contra o BPI. O valor do conjunto destas acções, avançadas na sequência das
elevadas perdas sofridas pelas empresas portuguesas com os referidos
contratos, ascende entre 30 e 40 milhões de euros.
Pedro Marinho Falcão admite que o recurso a tribunais ingleses, como o
Barclays estava a exigir nos processos apresentados em Portugal, era um
impedimento para pequenas empresas, até pelo custo de contratação de
advogados locais. No caso de contratos de 15 ou 20 milhões de euros o
constrangimento é menor.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa estabelece que "a validade de
uma cláusula que elege um foro como sendo o competente para dirimir um
litígio tem que ser analisada à luz dos inconvenientes que a mesma envolve
para os potenciais aderentes".
Refere ainda que "a distância da sede da apelante em relação ao foro
estabelecido (...) cria graves inconvenientes e é potencialmente dissuasora
do recurso aos tribunais pelos aderentes que não sejam nacionais ou não
tenham sede ou representação nesse país estrangeiro". Conclui o acórdão que
a "a cláusula em apreço é relativamente proibida e, consequentemente,
nula".
Apesar dos custos, algumas empresas estavam a avançar para os tribunais
ingleses, como foi o caso da construtora Domingos da Silva Teixeira (DST),
de Braga, que entretanto chegou a acordo com o Barclays. Os termos da
desistência do processo, que decorria no Tribunal do Comércio de Londres e
em que a empresa portuguesa pede mais de 11 milhões de euros de compensação
por perdas sofridas, não foram divulgados.
CEO do Santander visado
Neste momento há dois recursos no tribunal da Relação, cujas decisões são
aguardadas com expectativa. São duas decisões nas quais o banco Santander
perdeu na primeira instância. Numa das decisões, o contrato de swap foi
considerado nulo à luz das cláusulas gerais dos contratos. Na outra
decisão, o tribunal condenou o banco a devolver 1,5 milhões de euros a uma
empresa de Lousada, representada por Pedro Marinho Falcão. Nessa decisão, a
relação considerou o contrato em causa "especulativo, de jogo, um contrato
ilícito e, portanto, nulo".
Depois desta última decisão, o Santander contratou o escritório de
advogados Uría Menéndez-Proença de Carvalho, um dos maiores do país, para
liderar a sua defesa. A estes processos que se encontram na Relação, o
referido escritório de advogados tem apresentado vários pareceres jurídicos
a contestar a tese do professor de Direito Lebre de Freitas, que defende a
nulidade dos contratos por alteração de circunstâncias (queda abrupta das
taxas Euribor, na sequência da crise financeira). Esta tese foi acolhida
pelo única decisão sobre esta matéria do Supremo tribunal de Justiça,
envolvendo o BBVA.
Os pareceres contestam ainda a tese de Hélder Mourato, orientada por Carlos
Ferreira de Almeida, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de
Lisboa, e por Amadeu José Ferreira, vice-presidente da Comissão do Mercado
de Valores Mobiliários (CMVM), que analisa um contrato de swap idêntico à
generalidade dos restantes contratos, considerando-o "uma aposta" e "uma
cilada".
Desde o início do ano, já foram apresentadas contra o Santander algumas
dezenas de processos, no valor de mais de 300 milhões de euros. Numa das
acções, é visado o banco, mas também alguns quadros, entre os quais o seu
presidente, António Vieira Monteiro.
*Público 2014.04.23* |